sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O Tudo e o Nada

Apenas o Tudo e o Nada existiam, sem luz, sem calor, sem som ou movimento, apenas uma esfera condensada com toda a existência envolta pelo nada infinito.
Porém, apesar de vazio, o Nada era sufocante e lutava contra aquela grande esfera que insistia em existir, atrapalhando sua plenitude. Com todas as suas forças e numa tentativa de extinguir de vez aquele intruso dentro de si, o Nada pressionava o Tudo, de todos os lados, deixando-o cada vez menor, e de pouco a pouco o Tudo diminuía de tamanho, se tornando mais e mais compacto e denso.

Provavelmente essas duas forças não possuíam inteligência ou sequer raciocinavam sobre sua eterna existência, apenas existiam, eram o que eram e agiam da forma como agiam. Mas se o Nada soubesse o que aconteceria, provavelmente não pressionaria tanto, de todos os lados, mais e mais, mais e mais...

Tamanha era a pressão e densidade do Tudo que sem ter mais como encolher e sem ter mais para onde ir começou a transmutar a matéria no seu interior em energia e com essa força extra, finalmente sobrepujou o Nada.

Foi como se espreguiçar logo ao acordar, quando liberamos toda aquela energia guardada, esticando nossos membros ao máximo e num bocejo liberamos aquele ar guardado lá no fundo dos pulmões. O Tudo se lançou em todas as direções, liberando toda aquela energia contida, lançando também muita matéria por todo o espaço. O Nada se encheu de calor, de cores, e não mais existiu, por muito, muito tempo...

Porém a natureza no Nada continuava a existir, como força primitiva, assim como o Tudo não era mortal, não tinha um inicio e nem um definitivo fim. Essa força começou a agir e aos poucos foram surgindo alguns vãos entre toda aquela energia e poeira que se transformara o Tudo. A batalha cósmica havia começado outra vez e como antes, o Nada começou a pressionar e acumular partes do Tudo. Se formaram asteroides e estrelas, sistemas planetários e constelações, buracos negros e quasares, que nasceram e morreram, dando vida a outras maravilhas.

No meio disso tudo surgiu a vida como conhecemos e isso aconteceu sem um propósito definido, apenas aconteceu, devido fatores ocasionais. Apenas uma oportunidade, um acerto entre tanta margem para o erro. Mas então, com a vida veio a consciência, e as forças primordiais deram espaço à outras forças...

A consciência surgiu com a vida e a vida surgiu com a consciência, apesar da evolução que se deu, depois de milhões de anos como os conhecemos, sempre houve a consciência e ela existe em todo e qualquer ser vivo.

Não se sabe e não tem como saber se das forças primordiais surgiu a consciência, e então a vida, ou se foi em alguma outra ordem, mas existe tal conexão. A batalha eterna entre o Tudo e o Nada acontece no cosmos e acontece também dentro de todo ser vivo. Não existe bem ou mal, existe essas duas forças opostas que batalham entre si eternamente, numa dança onde uma sempre conduz a outra alternadamente.

Quanto mais evoluímos nossa consciência mais tentamos nos distanciar das forças primordiais, porém na verdade estamos chegando mais próximos delas. Quanto mais tentamos explicar o mundo e o universo, mais explicamos sobre nós mesmos.

Em algum momento todas as galáxias se unirão novamente, engolidas por algum buraco negro colossal, e o universo irá se resfriar como antes, toda a energia será condensada e transmutada novamente em matéria, e só o que existirá será o Tudo e o Nada na plenitude do silêncio cósmico, até que a música volte à tocar e eles recomecem sua eterna dança após o gongar estridente do Big-bang, indicando o fim da canção anterior.



Lenonfa

sexta-feira, 5 de abril de 2013

De Repente Bruxo


     Estavam lá os vinte e três alvos separados em linha reta a cinco metros uns dos outros. Eram todos iguais, uma estaca de madeira fincada no chão de terra batida com um tufo de palha embolada na ponta como se fossem metades gigantes de cotonetes com algodão amarelo!

     Minha missão era muito simples, assim como a dos vinte e dois companheiros de treinamento que estavam alinhados à minha esquerda. Eu deveria apenas mirar no cotonete (ou estaca com palha na ponta, se preferir) que estava posto na minha frente, mentalizar uma labareda de chama vinda direto da minha aura e incinerar o alvo precisamente e o mais rápido que eu conseguisse. Só para constar, as estacas estavam numa distância de aproximadamente trinta metros à nossa frente!

     A posição era simples, ficávamos de pé e relaxados, simples assim, tínhamos um instrutor que já era um pouco experiente nisso tudo porém não a ponto de poder ser chamado de mestre ou algo do tipo, ele apenas era mais corajoso e tinha testado seus próprios limites e colocado a cara no mundo mais cedo. Mas voltando para nosso treinamento, agora estava tudo preparado, todos prontos, não existia uma técnica, muito menos uma regra, tínhamos uma meta e devíamos tentar cumpri-la, apenas.

     Medo, medo foi o sentimento que mais esteve me atormentando desde que tudo mudou, medo do que eu podia fazer, medo de que se por acaso eu fizesse alguma coisa isso se virasse contra mim, medo do desconhecido que agora corria em minhas veias, medo de que alguém descobrisse, medo, eu vivia com medo o tempo todo. Por egoísmo, por intuição, ou pelos dois quem sabe, eu resisti à tentação de acabar de vez com esse medo, me preservei vivo e continuei esperando, rezando a cada minuto uma prece nova, para que desse tudo certo no final e que eu me curasse, ou fosse forte o bastante para controlar isso tudo, ou para que um milagre qualquer acontecesse. Era muito medo, e o pior de tudo, é que no fundo todo esse medo que eu sentia, era apenas medo de mim mesmo.

     Mas então de boatos à boatos, de murmúrios à murmúrios acabei chegando naquele lugar, encontrando aquelas pessoas que como eu estavam perdidas, porém, o melhor de tudo é que conhecendo e conversando com elas eu soube que se existia algum motivo para ter acontecido o que aconteceu comigo, com certeza não era para fazer o mal nem a mim nem a ninguém que eu amava, elas eram pessoas boas, eu era bom, sempre tinha sido, de certa forma é claro, e não tinha deixado de ser, alívio.

     Faltava apenas a contagem regressiva, e eu estava eufórico, me sentia nas nuvens, era como se um trator tivesse saído de cima de mim, não me sentia mais reprimido nem com medo, eu me sentia como sempre gostei de me sentir, livre. Minha mente também não ajudava e como sempre trabalhava bem mais rápido que qualquer palavra, tão mais daquela controlada e pausada descida do cinco ao um, parando para respirar a cada pulo de números.

     Cinco... Mirar apenas o meu alvo era muito entediante, eu já tinha feito isso antes mesmo de a contagem começar, agora eu mirava os outros alvos também, todos os vinte e três. Quatro... Era muito fácil senti-los, sim, senti-los, é a melhor forma de explicar, eu sentia todos eles, sentia sua leve vibração. Três... Foi muito rápido, assim que eu mirei todos e os senti de alguma forma, sabia exatamente o que fazer em seguida, do fundo do meu corpo, ou da minha alma, uma leve vibração veio a tona como uma explosão, instintivamente usei minha mão direita para canaliza-la e não tinha mais nada a fazer se não, libera-la. Dois... BUM!

     Antes que Carlos, nosso instrutor, chegasse no 'um' todas as estacas estavam queimando, não com um fogo comum, mas com uma chama verde, viva, quase um verde-limão, percebi que era a minha cor favorita! Fiquei impressionado comigo mesmo, porém o momento durou pouco, tão rápido quanto lancei as chamas lembrei de súbito dos meus companheiros, exitei por algumas frações de segundo e então olhei para a cara deles, como esperava entre alguns olhares de admiração também encontrei alguns olhares revoltados com minha falta de companheirismo, com meu exibisionismo e sem dúvida alguma com a cara de idiota que eu devia estar fazendo quando os encarei.

     Comecei a me explicar, comecei a me desculpar, eu não tinha realmente a intenção, não sabia o que tava fazendo, nem sabia o que ia acontecer, nem sei quantas vezes eu repeti a palavra "desculpa" mas no final acho que todos entenderam e passaram a querer fazer o mesmo. Expliquei tudo o mais detalhadamente que consegui, cada sensação que eu tive, cada pensamento que passou pela minha cabeça naqueles segundos, instruí todos a se concentrarem primeiro nos alvos e apenas depois de senti-los lançares suas chamas. No final alguns não chegaram sequer a sentir as estacas fincadas no chão, outros conseguiram apenas se concentrar em uma só e outros poucos conseguiram chegar a incendiar até três ou quatro estacas de uma vez, porém ninguém chegou perto de conseguir a minha façanha. Depois de todos tentarem sem sucesso eu me arrisquei outras vezes e impressionantemente era muito fácil para mim deixar todos os alvos brilhando com a minha chama verde-limão. Acho que alguns dos outros que estavam lá ficariam chateados comigo por achar que eu estava escondendo algo, isso se não fosse minha sincera e honesta cara de quem não sabia uma gota a mais que eles sobre nada daquilo.

      O dia tinha começado mais cedo que isso, com uma longa e detalhada conversa entre os novatos e os mais antigos, incluindo nosso instrutor Carlos, compartilhamos informações, conhecimentos, experiências, ou seja, eu só abri a boca para perguntar onde era o banheiro. Depois do tiro (ou chamas) ao alvo treinamos algumas outras coisas, testamos outras também, descobrimos algumas e ainda deixamos muitas coisas para outro dia pois a noite estava chegando e foi consenso geral de que não era uma boa ideia por enquanto permanecermos todos juntos quando ela chegasse, bem ou mal tínhamos inimigos, que muito provavelmente estavam bem mais perdidos que nós, porém ainda assim, na dúvida é melhor não arriscar...

     Me despedi de todos e quando estava quase pegando o caminho de casa me lembrei que tinha outro compromisso e já estava bem atrasado, faltava pouco para anoitecer e meus amigos tinham marcado uma reunião para aquele dia. Não tinha jeito, era perigoso, mas eu precisava vê-los, precisava contar as novas agora que sabia que eu não era nem iria me tornar um monstro, e se acaso eu encontrasse uma bruxa errante pelo caminho, ou até mais de uma, bem, se não passassem de vinte e três pelo menos eu poderia dar conta!

     Tá bem, tá bem, a verdade é que eu fui morrendo de medo, mas fui...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Oca-koko

           Era meio da tarde em uma região alagada por um rio majestoso, algumas pedras e porções de terra formavam pequenas ilhotas entre o rio e a mata espessa. Em uma dessas ilhotas existia uma espécie de choupana que funcionava como um restaurante tribal, o povo da mata que vivia por ali se alimentavam lá e também moradores de uma cidade próxima sempre visitavam a famosa Oca-koko em busca de comida exótica ou remédios conhecidos apenas pelos sacerdotes dali.

          Das calmas águas do rio surgiu uma bela e esbelta mulher de pele branca, cabelos negros e bem lisos na altura dos ombros, usava um vestido tomara-que-caia de couro colado ao corpo delineando suas belas curvas e terminando um palmo acima dos joelhos, apesar de sair de dentro d'água ela não estava molhada, ela não era uma mulher qualquer, tirou suas sandálias pretas de salto agulha do rio e começou a seguir o pequeno caminho de pedras com maestria em direção a choupana com um olhar que misturava determinação e tédio, ela tinha um trabalho a fazer...

          Na cidade de Taipó, a poucos quilômetros dali Regina acordou sobressaltada no início da noite, olhou para a lua completa e majestosa no céu, fez um pedido silencioso e foi para o quarto de sua mãe. Ela não dormira na noite anterior nem na maior parte do ultimo dia, sua mãe havia caído enferma e ela se dedicara em tratá-la sem descanso até que seu corpo não aguentou mais e a forçou a tirar um cochilo de poucas horas. Sua mãe só piorara e sem outras opções ela decidiu alugar um barco e se aventurar na noite em busca da ajuda dos sacerdotes e sacerdotisas indígenas que viviam em uma choupana ali perto conhecida como Oca-koko. A cidade era carente de médicos e ela acreditava que o povo da mata podia ajudar sua mãe, então foi até o porto e alugou um pequeno barco no cais, ela já tinha ido a Oca-koko várias vezes então não seria problema achar o caminho certo, além disso naquela hora a choupana estaria em festa como em todas as noites de lua cheia, pessoas cantando e dançando em rodas, fogueiras acesas, animais sendo assados, discussões, todo aquele tumulto conhecido, mas depois de algum tempo navegando no curso do rio Regina percebeu que algo estava diferente, a essa altura ela deveria ver a claridade das fogueiras e ouvir o barulho da festa, mas tudo estava estranhamente calmo, na ultima curva do rio antes da choupana veio a surpresa, a Oca-koko estava silenciosa, abandonada, deserta.

          Regina ancorou o barco a uma pedra e seguiu pelo caminho pedregoso que levava a entrada da choupana, uma fogueira agonizante jazia com alguns últimos resquícios de carvão em brasa expelindo uma fina fumaça que logo se dissipava no ar. O medo aflorou na boca do estômago e se não fosse a determinação de conseguir ajuda para sua mãe ela teria dado meia volta ali mesmo, mas engoliu em seco e se forçando a por um pé atrás do outro caminhou em direção ao interior escuro da choupana, na entrada uma tocha provavelmente colocada ali ainda de manhã esperava até agora para ser acesa. Ela pegou seu isqueiro no bolso e agradeceu mentalmente ao seu falecido pai pelo presente que ele dera a ela momentos antes de morrer. Acendeu a tocha e com a luz do fogo veio o baque, moscas, muitas moscas voavam por todo o salão, rodeavam os corpos mutilados e inertes, estirados pelo chão de terra batida, a cena era horrível, difícil até de descrever, parecia que cabos finos e afiados de aço haviam brincado por ali, causando cortes longos e desregulares em todos, deixando partes do mesmo corpo separadas umas das outras, não aguentando mais olhar para aquela cena Regina deu as costas e se preparou para voltar correndo para seu barco mas a lembrança de sua mãe doente lhe veio a cabeça. Ela sabia onde ficavam guardados os frascos de remédios na choupana e sabia do que sua mãe devia estar precisando, aquela tosse incessante e a febre alta, ela mesma já havia passado por aquilo e lembrava do que tinha tomado para sarar. Respirou fundo, deu meia volta outra vez e se esforçando para não olhar o chão e ainda assim não esbarrar em ninguém, ou parte de alguém, seguiu em direção ao final da Oca-koko, após avaliar os frascos expostos por um momento achou o que estava procurando, repetiu o procedimento que usou pra entrar na hora de sair e a todo pulmão correu para o barco, que não estava mais lá.



lenonfa

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Canibalismo

Preciso contar o sonho que tive noite passada, foi talvez o sonho mais bizarro que eu já tive e olha que eu já tive muitos sonhos bizarros.

Começava com um barulho, eu estava deitado e ouvindo esse barulho sem saber o que era. De repente me veio uma aflição, o barulho poderia ser algo importante, a casa poderia estar caindo até. Levantei-me e fui em direção ao barulho, quando cheguei à cozinha encontrei duas amigas, elas estavam dando chutes em uma coluna solta, a intenção era derrubá-la, sim, mesmo sabendo que isso causaria uma grande destruição em minha cozinha. Resolvi me juntar a elas e ficamos tentando e tentando até que meu pai apareceu e perguntou que zona era aquela que estávamos fazendo, começou a discutir, falar, falar, falar, e então a coluna que estava meio bamba do ultimo golpe dado por uma de minhas amigas finalmente desmoronou! O problema é que ela desmoronou justamente em cima do meu pai, era uma coluna grande e pesada, e com ela foram outras colunas e até um pedaço do teto em cima dele, da dispensa e do freezer. Tudo isso virou uma coisa só, não dava mais para distinguir o que era o que, meu pai não existia mais, era apenas um monte de carne retorcida, moída, estirada.

Eu não sabia o que fazer, sentia um desespero, como iria contar para minha mãe, como iria contar para todo mundo? Como?

-Vamos pegar os ossos e o que der para ser reconhecido dele embrulhar bem e jogar numa caçamba de lixo! – Disse uma de minhas amigas.

-Sim, e o resto a gente diz que eram carnes do freezer que saíram com a queda da coluna. – Completou a outra.

Aquilo me parecia um absurdo, mas ainda assim eu olhei para os destroços e afinal o que “reconhecível” poderíamos pegar ali? Não tinha nada que pudesse ser reconhecível.

Mandei que minhas amigas fossem embora enquanto eu pensava o que fazer. Fui levá-las até o portão e quando chegamos lá fora percebemos que havia algo de muito estranho, o dia stava completamente cinza, a rua estava completamente deserta...

Resolvi caminhar com elas pela rua e ver se encontrava alguém que me explicasse o que havia ocorrido, mas, de repente eu não estava mais na minha rua, ou melhor, a minha rua não estava mais como sempre esteve uma névoa muito forte encobria tudo, era como se algo tivesse levado todas as coisas alegres do dia, os sons, a brisa, as cores...

Caminhamos por algum tempo até que eu resolvi voltar pra casa e esperar alguém lá mesmo. Andei o caminho de volta sozinho então, entre algumas vozes aleatórias meu pai sempre aparecia como um fantasma, e eu ia ficando cada vez mais apavorado, a imagem dele aparecia de um lado eu levava aquele susto “esperado”, como quando a gente sabe que vai levar um susto só não sabe onde ou quando especificamente, e ai saia em disparada para o outro lado!

Entre essas idas e vindas acabei encontrando um grupo de pessoas na névoa, me pareciam mendigos de longe, mas depois reconheci minha irmã, meus sobrinhos e outros parentes e conhecidos.

-O que aconteceu? Por que ta tudo desse jeito? – Eu perguntei a minha irmã.

- Ninguém sabe, todo mundo ta sem comida, o comércio ta fechado, um monte de gente parece que desapareceu do mapa.

-E por que tem tanta gente aqui com vocês? Minha mãe ta onde?

-É porque eu to fazendo um ensopado de carne, ninguém mais tem comida, tudo de comer desapareceu, a sorte foi eu achar um monte de carne lá na cozinha, vai dar para alimentar todo mundo e ainda sobrou bastante, ta quase pronto. A minha mãe ta lá dentro.

Nesse momento eu percebi duas coisas. A primeira é que eu estava na porta da minha casa, e a segunda, ó céus, a segunda não, não podia ser verdade...

Sem dizer mais nenhuma palavra corri em direção à cozinha. Lá encontrei minha mãe já servindo vários pratos, cheguei com a determinação de quem tem tudo para falar, mas na ultima hora nada saiu da minha boca, na ultima hora me veio vários pensamentos na cabeça. O que minha mãe ia achar de mim? Eu me sentia culpado pela morte do meu pai. Mas e as pessoas que não tinham mais nada para comer? Se eu não contasse nada as pessoas matariam sua fome e ninguém me culparia por nada.

Eu podia ser um verdadeiro herói, podia oferecer a carne do meu próprio pai para curar a fome de todo mundo, e a carne do meu pai não era qualquer carne, era muita carne, meu pai era bem grande, bem gordo, uma “vaca” e tanto.

Sim, é verdade que tudo isso passou pela minha cabeça, mas passou sem ficar, passou como se eu estivesse procurando razões que justificassem a omissão, mas não, nada disso justificaria.

Um herói não mata um para salvar vários, isso quem faz são os oportunistas. Um herói salvaria todos, um herói falaria a verdade, uma pessoa honesta falaria a verdade, eu poderia não ser julgado pela minha mãe e por mais ninguém, mas eu não poderia fugir do meu próprio julgamento, então eu percebi que não tinha o que ser escondido, porque de mim mesmo eu não iria poder esconder nada.

Então eu chamei a atenção da minha mãe, olhei fixamente em seus olhos e disse:

-Eu preciso dizer uma coisa, a carne desse ensopado é a carne do corpo do seu marido!

FIM

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Clay Boy

Este foi um sonho que eu tive noite dessas...

Era uma escola, um instituto de educação onde também funcionava um internato e eu vivia lá, era um dos alunos que também moravam na escola.
Neste mundo coisas estranhas e anormais aconteciam, e dentro da escola um grupo de alunos e professores eram encarregados de investigar tais acontecimentos. Eu fazia parte desse grupo e no momento estávamos aterrorizados com uma série de mortes registradas aos redores da escola.
Todos os corpos eram encontrados sem pele e a causa da morte era sempre a mesma, morte natural. Tirando o fato de as pessoas estarem sem a pele não tinham indícios de assassinato.
Câmeras foram instaladas em todos os cantos aos redores do instituto e finalmente conseguimos imagens do assassino em ação. As imagens não eram as melhores nem as mais nítidas, conseguíamos ver a vítima porém o assassino era apenas uns borrões e umas sombras, não obstante conseguimos identificar que se tratava de um homem, jovem, de pele muito branca e de alto porte.
Confrontada com o assassino a vítima não demonstrava medo ou pavor, até percebermos um ato do homem alto como que esticando o braço com a mão aberta em direção a vitima que logo em seguida mudava sua calma expressão por uma de grande dor e pavor, instantes depois o cadáver jazia no chão e sem nenhuma dificuldade ou ajuda de algum equipamento o assassino que agora sabíamos ser mesmo um jovem, alto e loiro despiu o corpo da vítima tanto de suas roupas, como de sua pele, pôs sobre si o couro do morto como um casaco de peles e sumiu de nossa visão.
A partir deste momento a caçada começou, formamos grupos de caça atrás do misterioso assassino porém logo após nossa empreitada acabamos nos vendo do lado contrário da caça, éramos nós que estávamos sendo caçados.
Em uma parte subterrânea, entre esgotos, galerias e rios que mais pareciam valões estávamos eu e meu grupo na penumbra de lampiões e entre vultos suspeitos aqui e ali, chegamos em um córrego e embarcamos num pequeno barco a remo em direção a saída daquela galeria.
Na metade do caminho ouvimos o som de uma lancha vindo em nossa direção e o piloto se confirmou sendo o assassino com um ar de insanidade. Ele gritava que seu nome era Clay Boy e que iria matar-nos pois o insultamos e ele não deixaria que contássemos sobre ele como um assassino por ai.
A lancha dele emparelhou com nosso barco bem perto da saída, lá fora, na noite e na forte chuva encontraríamos uma embarcação maior e estaríamos a salvo. Ele tentou nos parar e estava quase conseguindo quando nosso mascote, um pequeno gatinho que mais parecia um ursinho de pelúcia e com personalidade bem forte pulou sobre o rosto dele forçando-o a recuar e dando-nos a chance de escapar.
Saímos da galeria por um portão de fortes grades que foi trancado logo em seguida e antes que subíssemos na embarcação maior pudemos observar com grande tristeza o furioso Clay Boy jogar nosso pequeno mascote na água e dilacera-lo com sua lancha.
Alguma coisa deu em mim ao ver tal cena e sem conseguir me controlar ou sem nem ao menos pensar nisso me joguei na água em direção a grade indo de encontro ao rosto furioso de Clay que vinha em minha direção.
O que aconteceu em seguida eu não sei, tudo o que me lembro depois disso é de acordar dentro do instituto de educação um tanto desnorteado.
Ao sair pela escola e conversar com alguns amigos me deparei com grande espanto a um garoto alto e loiro, Clay Boy, indaguei a uma companheira que havia participado da caçada e ela me disse que tinham "entendido" o Clay e seus motivos e que ele quisera se redimir e se admitir na escola. Já haviam algumas semanas do ocorrido, eu tinha passado bastante tempo dormindo.
Perguntei sobre o risco que ele oferecia e ela me disse que tirando ele ter se relacionado com mais da metade das meninas da escola ele não parecia representar nenhum outro perigo.
Mas não aceitei ou entendi todo esse discurso, me parecia muito estranho e resolvi falar diretamente com ele. Após uma conversa com Clay Boy fiquei sabendo que ele era de um povo a muito esquecido, dado por muitos como um bruxo e que tinha centenas de anos, ele podia controlar a vida das pessoas com a mente e decidir se queria que alguém morresse apenas ordenando com a mente e a unica razão para ele matar era sua própria sobrevivência, em certos períodos bem distantes de tempo ele precisava se cobrir com pele de gente recém morta e sem maculas para garantir a sua própria vida e aparência. Ele também me explicou assassinar apenas pessoas perto da morte de qualquer maneira e pessoas que não deixariam dor a outros ao morrer.
De fato ele só havia matado mendigos velhos e abandonados porém ainda achei estranho isso tudo...
Ele resolveu mudar de assunto e perguntou sobre as garotas da escola, eu ainda apático respondi apenas que não me interessava por elas.
Após mais perguntas do gênero ele me beijou numa praça movimentada da escola, eu teria discutido com ele por ter feito isso sem avisar e por estarmos no meio da escola, teria ficado irritado, envergonhado e muitas outras coisas, mas eu só estava entorpecido, me sentia completamente estranho e não consegui protestar quando ele pegou minha mão e caminhamos assim, de mãos dadas em direção a um corredor. Eu sabia que aquilo não era certo, sabia que chamaria atenção dos inspetores e não fiquei surpreso quando uma inspetora ranzinza ordenou que fôssemos a um corredor escondido para levar uma bronca, ela nos indicou um local onde estavam dois seguranças e ordenou que uma outra inspetora fosse falar conosco, esta era uma senhora morena de cabelos com mechas roxas e acho que se sentiu sensibilizada por nós e não quis nos punir. Já os dois seguranças pareciam sedentos por punição e queriam nos levar a força para a diretoria da escola, Clay me indicou uma porta escondida, eu sabia que ela daria nos andares inferiores da escola e posteriormente na mesma galeria subterrânea onde ele fora caçado e depois caçou-nos semanas antes. Com seu porte foi fácil para ele se desvencilhar dos seguranças e correr para a porta já eu não tive tanta astúcia e tinha que lidar com os dois seguranças sozinhos, olhei em direção ao Clay Boy em busca de ajuda e ele me disse apenas, mande-os te soltarem, e adentrou a porta em disparada. Eu fiquei alguns segundos sem saber o que fazer ou pensar e quando estava sendo arrastado literalmente eu mandei que os dois me soltassem e me deixasse ir embora, no mesmo instante os dois guardas perderam toda a personalidade de seus rostos e como robôs a minha disposição fizeram exatamente o que eu havia comandado, me soltaram e permaneceram estáticos como duas estátuas no corredor.
Fui até a porta por onde Clay Boy havia adentrado depois disso mas tive uma péssima intuição, senti que se eu entrasse naquele lugar obscuro eu não sairia com vida, senti a partir de então que eu havia ganhado um poder, o poder de dar ordens aos outros, porém eu também senti que por isso eu havia me tornado uma obsessão para quem havia me concebido tal poder, eu não sabia o porque mas tinha certeza que Clay Boy faria de tudo para vestir a minha pele após ter tirado minha vida.
Assassinatos voltaram a acontecer e para preservar a vida dos estudantes da escola que nós da equipe dos investigadores protegíamos montamos um plano para levar Clay Boy para longe.
Eu viajei para minha terra natal, fui sozinho e de avião comercial usando um disfarce, enquanto isso o resto do grupo de detetives viajava para o mesmo rumo, porém todos juntos e utilizando uma espécie de submarino projetado por nós mesmos, tinha a aparência de um tubarão e não era muito resistente mas era o jeito de despistar Clay Boy pois em consenso acreditávamos que se ele conseguisse me matar e vestir minha pele se tornaria muito mais forte e invencível.
Quase chegando no destino final o submarino foi interceptado por Clay Boy e apesar dele não conseguir avariar nem adentrar no submarino uma luta foi travada quando chegaram no porto e precisaram desembarcar.
No ponto de encontro em minha antiga casa eu esperava, pronto para receber meus companheiros ou se preciso enfrentar Clay Boy, eu sabia que meu comando também funcionaria com ele, por isso ele nunca me enfrentava de frente e se ele aparecesse teria que se submeter aos meus comandos.
Esperei até que eu avistei minha prima chegando, ela fazia parte dos investigadores e foi a unica que havia chegado até ali, ela estava meio perdida e desnorteada e por isso eu usei meu controle nela para que ela seguisse rápida e atentamente direto para onde eu me encontrava, chegando junto a mim fiz com que ela comesse e me contasse o que havia ocorrido, ela não sabia pois havia saido escondida assim que chegara para me trazer notícias.
E assim eu fiquei postado de frente para o caminho, esperando, esperando...
Se ele aparecesse, se Clay Boy aparecesse...
Fiquei esperando...


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Clay Boy
Por Lenonfa